segunda-feira, 27 de junho de 2011

Gestão de riscos de catástrofe: o que falta para o Brasil adotar

Mais uma vez, as chuvas de janeiro provocaram um rastro de destruição e o principal alvo foi a região serrana do Rio de Janeiro, em número de vítimas. Havia como evitar...

Por Karin Fuchs
Comentar replay depois do ocorrido é fácil, mas não adotar medidas para que tragédias como as da região serrana do Rio de Janeiro, entre tantas outras recorrentes com as chuvas de verão, não voltem a se repetir é simplesmente uma questão de incompetência pública.

Fato é que em um período de apenas 24 horas, entre os dias 11 e 12 de janeiro, choveu na região serrana o esperado praticamente para o mês inteiro. Mas a culpa não pode ser atribuída isoladamente a São Pedro.


Uma política pública de habitação que evite construções em áreas de riscos, bem como respeitar o recuo mínimo das bordas de rios, utilizar sistemas de alertas eficientes, mapas de áreas de riscos e destinar devidamente as verbas federais para evitar e prevenir catástrofes, já fariam uma grande diferença.

Foi exatamente uma combinação de vários fatores que praticamente devastou as cidades de Nova Friburgo, Teresópolis e Petrópolis. O número de mortos ultrapassou 800 e centenas de pessoas continuavam desaparecidas até o final de janeiro. A tragédia foi pior que um dos terremotos de maior magnitude da história que atingiu o Chile, em fevereiro de 2010.

Já não está mais do que na hora?

Com a abertura do mercado ressegurador, em 2008, o Brasil passou a contar com toda a expertise dos resseguradores internacionais e já está mais do que na hora de tirar todo o proveito dos ensinamentos que eles possam dar.


A Swiss Re, por exemplo, tem um histórico de capacidade efetiva de apoiar governos na luta contra as implicações financeiras das catástrofes naturais e aumentar a capacidade de recuperação dessas sociedades diante da adversidade. “O impacto crescente de catástrofes naturais está elevando os custos de mitigação de desastres e de reconstrução para o setor público”, alerta Rolf Steiner, vice-presidente Sênior da Swiss Re das Operações no Brasil e Cone Sul (Argentina, Chile, Uruguai e Paraguai).

Jayme Brasil Garfinkel, presidente da Federação Nacional de Seguros Gerais (FenSeg), avalia que o mercado internacional conta com coberturas mais específicas e sofisticadas em razão de se verificar, com mais frequência, esses eventos catastróficos. Outro dado relevante é que, no exterior, existe massa crítica que permite melhor avaliar e precificar os riscos decorrentes de catástrofe, isso sem contar com a possibilidade desses eventos serem ressegurados com maior facilidade e agilidade. “A aceitação dessas coberturas no Brasil dependerá de podermos operar com a mesma flexibilidade e agilidade das seguradoras e resseguradoras internacionais.”

Já na opinião de Angelo Colombo, diretor executivo de Grandes Riscos da Allianz, a especialização das seguradoras em gerenciamentos de riscos pode e muito ajudar a evitar catástrofes como a ocorrida no Rio de Janeiro. “No entanto, é tudo muito embrionário ainda no Brasil. Corretores me questionaram como o mercado pode participar da mitigação dos riscos, mas existe um receio em abordar esta questão porque o cliente é o Governo Federal e não uma pessoa física.
Como trazê-lo para o mercado de seguros, pelo seu ressegurador, o IRB-Brasil Re?”, questiona.

Segundo ele, o otimismo exagerado talvez iniba ações preventivas, pois custa dinheiro, tanto a prevenção como com a proteção. “Mas o Brasil não escapa de ter, muito em breve, um fundo para catástrofe e isso parte de uma iniciativa governamental. Como há na América Central, em que todos os países contribuem, como se fosse um prêmio a cada ano e, quando um determinado país precisa utilizá-lo, já que a região é propícia a furacões, existe este recurso.”

Na prática

No caso específico do ocorrido na região serrana do Rio de Janeiro, o executivo da Swiss Re analisa que o grande desafio para a indústria de seguros é as construções estarem frequentemente em áreas expostas a riscos e, geralmente, as áreas mais afetadas têm um índice baixo da penetração de seguro. “Até o momento, o foco da gestão de risco de desastres tem sido no socorro, recuperação e reconstrução pós-evento. Em vez disso, é preferível uma abordagem mais equilibrada, que combine elementos anteriores e posteriores ao evento. Como prioridade, os governos devem assegurar o funcionamento de um mercado de seguros por meio de legislação apropriada, o que ajudará a absorver uma grande parcela das perdas provocadas por desastres sofridas por indivíduos e empresas”. Posteriormente, avalia Rolf Steiner, os governos devem estudar soluções de financiamento pré-evento para a acumulação de reservas, financiamento condicionado e também soluções de seguro soberano.

As lições que devem ser aprendidas

Vice-presidente do Clube de Engenharia do Rio de Janeiro, Manoel Lapa e Silva, pontua que evitar a ocupação irregular do solo só é possível com uma política eficiente de habitação. “Apenas agora, com o programa Minha Casa, Minha Vida é que surgiu esta oportunidade, o princípio de uma política habitacional. Em qualquer lugar do mundo tem que de subsidiar moradia para a população que ganha entre zero e três salários mínimos. De nada adiantar remover famílias em áreas de risco, sem se preocupar em assentá-las.”



Silva também destaca que não apenas o planejamento localizado, principalmente com a especulação imobiliária, deve ser o foco. É preciso pensar em todo o entorno e na população que ocupará aquela área. Um exemplo típico foi o que aconteceu na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, um bairro construído nas décadas de 70 e 80. “Ninguém se preocupou com os operários, a maioria nordestinos, que vieram para a construção e eles foram se alojando em um local chamado Rio das Pedras, que hoje é uma das maiores favelas do Rio.”

Outros aspectos abordados pelo engenheiro é a falta de um Plano Diretor eficiente na grande maioria das cidades do país, já que muitas no interior, menores e mais pobres, não têm planos diretores ou, quando tem, não são suficientemente estudados e planejados, bem como o despreparo da Defesa Civil. “Nós não temos uma Defesa Civil organizada no Brasil, quem faz o trabalho geralmente é o Corpo de Bombeiros, que tem uma grande competência em apagar incêndios.


Já foi criada uma secretaria de Defesa Civil, mas ela ainda está absolutamente desaparelhada e não existe uma articulação entre estados e municípios, onde existem mais riscos, para a criação de sistemas de alerta e planos de contingência para retirada das pessoas”, afirma Silva. O que há são ações pontuais, como em Angra dos Reis (RJ), onde foi feito um bom trabalho de defesa civil e a população sabe o que fazer e como evacuar a cidade se for acionado o sistema de alerta, em caso de acidente nuclear.

Ainda de acordo com o engenheiro, o Brasil tem capacidade e tecnologia para prevenir e remediar problemas. Um exemplo é a Geo-Rio - Fundação Instituto de Geotécnica que, no ano passado, terminou todo o mapeamento das áreas de risco do município do Rio de Janeiro e agora se sabe exatamente onde estão as mais de 21 mil áreas de risco.


Aliás, o engenheiro atribui ao trabalho da Geo-Rio a inexistência de notícias de tragédias no município, como a vivenciada pelos cariocas na década de 60. “Até houve em janeiro de 2010, mas se não houvesse esse trabalho de prevenção ao longo desses anos todos, ela seria dez vezes pior”, diz, referindo-se à região metropolitana do Rio que ficou ilhada depois de uma tempestade e ao Morro da Carioca, em que pelo menos 20 casas foram atingidas e mais de 50 pessoas morreram.

Garfinkel, da FenSeg, conta que há cerca de três anos a Federação realizou um Seminário sobre Mudanças Climáticas em que se começou a discutir os impactos destas mudanças. “Hoje, constatamos que muito tem que ser feito e pretendemos criar uma área específica para aprofundar estes estudos.


O mercado de seguros pode contribuir para o gerenciamento de riscos através da identificação e divulgação dessas situações de risco, de modo que, alertada, a população possa evitá-la ou minimizá-la. Além disso, é importante a participação das autoridades federais, estaduais e municipais neste processo.

Papel social do seguro

Em situações como a ocorrida na região serrana do Rio de Janeiro, o Regulador de Sinistros e advogado Claudio Romagnolo, diretor técnico de Ramos Elementares da Jopema Reguladora de Sinistro, explica que o atendimento aos clientes tem uma condição muito peculiar. “Depois de experiências com os eventos de São Luiz do Paraitinga (SP) e na região Nordeste do País, em janeiro e maio de 2010, respectivamente, compreendemos que o atendimento tradicional não supre as reais necessidades de quem teve seu patrimônio sinistrado de forma devastadora.


Os canais normais de atendimento das seguradoras deixam de ser uma opção em face do comprometimento das estruturas de comunicação e até locomoção nas cidades atingidas. Considera-se ainda o aspecto emocional das vítimas que, em quase todos os casos atendidos, estão completamente tomadas por preocupações óbvias e até com o desaparecimento ou morte de familiares, e, quase sempre, sequer se recordam da existência do seguro.”

Nessas situações, o trabalho é totalmente pró-ativo. “Nos seguros residenciais e empresariais estabelecemos como padrão um atendimento completamente pró-ativo, pelos aspectos citados anteriormente.


Em parceria com as seguradoras, a Jopema, logo após tomar conhecimento do fato se desloca até o local, de posse da relação de segurados das localidades atingidas e realiza busca de um a um, casa por casa, não apenas identificando a ocorrência dos danos, mas, e principalmente, informando o cliente da existência do seguro, respectivas indenizações existentes e serviços disponíveis. Na grande maioria dos casos, a surpresa positiva e agradecimentos recebidos são inúmeros.”

No entanto, lamenta Romagnolo, o que se constata com as catástrofes, além das perdas inestimáveis e quadro devastador, é a pouca quantidade de pessoas que possuem seguro. “Há de se ocupar esse espaço e proporcionar à sociedade minimizar as consequências das tragédias cada vez mais frequentes em nosso País”.


Para o trabalho realizado na região serrana do Rio de Janeiro, a Jopema enviou dez profissionais que percorreram todas as cidades atingidas, literalmente, à procura de segurados.

Pouca cultura do seguro

Infelizmente, estima-se que cada vez mais eventos como o ocorrido na região serrana do Rio de Janeiro, em Santa Catarina e em tantas outras cidades voltem a ocorrer e as perdas sejam maiores. Principalmente porque com a estabilidade da economia, aumento da renda e do poder de consumo, as pessoas vão adquirir mais bens e necessariamente precisam de proteção.

Wilson Saliba, diretor de Patrimonial da Zurich, defende que o mercado de seguros tem uma dupla missão: difundir o seguro em si (que já é uma forma de proteção, ainda mais com uma massa maior de segurados) e a cultura de gestão de riscos. “Muitas vezes, pequenas medidas podem reduzir e muito o risco ou mesmo reduzir o prejuízo em caso de sinistro.”

Na Porto Seguro, informa Marcelo Sebastião, diretor de Auto da companhia, no seguro Residencial não há cobertura para alagamentos. Já para o seguro de automóveis, a indenização só é integral quando o custo do reparo é superior a 75% do valor do veículo. “Ainda não temos o balanço fechado do impacto com as chuvas especificamente na região serrana do Rio de Janeiro.”

Luis Furtado, vice-presidente da SulAmérica, também antecipa que ainda é muito prematuro avaliar qualquer impacto das chuvas nos resultados da companhia.
“A empresa ressalta, porém, que eventos deste tipo estão dentro do esperado para o período.”

O diretor da Zurich informa que o impacto direto de tragédias como esta no mercado de seguros é reduzido, pois a cultura do seguro ainda precisa se desenvolver muito no Brasil. “Relativamente poucas empresas, casas e outros patrimônios atingidos eram segurados. No entanto, indiretamente, situações como esta lembram a segurança que um seguro pode trazer”.

Frequência dos eventos tem aumentado

Estudos sobre eventos catastróficos recentes mostram que, no mundo todo, a intensidade das enchentes está aumentando. Entre 1970 e 1989, as perdas seguradas causadas por catástrofes naturais foram de US$ 5 bilhões por ano (em valores corrigidos), em média.


Essa média de perdas subiu para US$ 27,6 bilhões ao ano, entre 1990 e 2008. De acordo com as estimativas iniciais da equipe Sigma da Swiss Re, os prejuízos econômicos no mundo todo causados por catástrofes naturais e desastres causados pelo homem somaram US$ 222 bilhões em 2010, mais que o triplo do valor de US$ 63 bilhões de 2009. O custo para o setor global de seguros foi de US$ 36 bilhões, um aumento de 34% em relação ao ano anterior. Cerca de 260 mil pessoas morreram nesses eventos, o maior número desde 1976. (Revista Cobertura - Edição 111)


Fonte: REVISTA COBERTURA - MERCADO DE SEGUROS NOTÍCIAS - Seguros

Links Relacionados
- Seguro de carro.

- Seguro Empresarial, Residencial e Obras.
- Seguro de Vida e Previdência – INSS.
- Informações sobre Seguradoras.
- Comportamento e vida profissional.
         

Nenhum comentário: